Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?

Café com Caxiri é uma obra multifacetada, abordando aspectos políticos, sensibilidades românticas e reflexões filosóficas. O livro dialoga com Agostinho de Hipona, ponderando, por exemplo, sobre uma questão clássica: o que é o tempo?

A narrativa apresenta personagens que lidam com suas angústias, transitando entre o Sul e a Amazônia, entre Curitiba e Vila Tepequém, em Roraima. A obra aborda uma realidade comum aos excluídos: pretos, indígenas, pardos, imigrantes e todos aqueles que desconhecem sua origem, sejam eles pobres ou miseráveis. O protagonista, nosso “joão-ninguém”, vive experiências invisíveis em uma sociedade capitalista representada por uma Curitiba nebulosa. Sem acesso a cursos de inglês que realmente ensinem, impossibilitado de ganhar videogames e celulares caros, um "moita" passa seus dias e suas férias em seu barraco, procurando formas de ocupar o tempo e sobreviver. Muitos jovens se entretêm com diversões banais; outros são levados ao crime. No entanto, há aqueles que se esforçam para aproveitar as oportunidades e prosperar com dignidade, mesmo que precisem passar grande parte de suas vidas escondidos.

Os "moita" ocupam papéis sociais em um grupo com semelhanças marcantes, ainda que em um espaço complexo e heterogêneo, pois a luta de cada um reflete os rumos que a sociedade de classes impõe aos indivíduos.

Por que escolher esses temas?

Eu desejava escrever um romance que atravessasse o Brasil, abordando a relação Sul/Norte a partir de temas como amor, filosofia, feminismo, machismo, alienação parental, luta de classes, bullying, preconceito político e regionalismo.

Me atraem comidas temperadas, com alquimias que misturam receitas de várias localidades, trazendo escolhas do passado com ousadias atuais. O passado da literatura e do conhecimento é o fundamento, pois sem essas bases pecamos pelos modismos frágeis. No entanto, se as raízes estão no passado, na tradição, como árvores saudáveis, elas precisam crescer e respirar através de galhos e frutos que se espalham no presente. Toda literatura feita hoje precisa refletir sobre o atual.

Duas metáforas que aprecio são as representações de estradas e pontes. Erroneamente, acreditamos que estamos ligados uns aos outros e que esses laços assegurariam uma convivência harmônica. Essa harmonia automática é ilusória. Os acordos humanos, os amores vividos, os casamentos selados são potências imprevisíveis. Toda parceria está sempre em xeque, atacada por desejos conflitantes de sujeitos que amam, odeiam, desejam, erram, acertam, dizem verdades e mentem.

Não existe família perfeita e acabada, e todo amor precisa se atualizar todos os dias, porque somos e não somos os mesmos. Mudamos de acordo com as circunstâncias, vestidos de novos papéis que assumimos nas encruzilhadas da vida. Não há uma essência humana subjacente que defina personalidades e escolhas, amores vividos e relacionamentos rompidos. Como caçadores errantes, nômades, nos lançamos ao mundo presenteados com o dom da vida — um dado irrecusável que exige compromisso com a busca pela sobrevivência. Lutamos o tempo todo contra a tristeza que pode levar à morte.

Depressão, ansiedade e dor denunciam que estamos vivos. E viver é muito bom. Sempre vale a pena lutar pela própria sanidade